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Carolina Maria de Jesus e Françoise Ega: quando nossa produção inspira

Nosso trabalho e produção muitas vezes inspiram pessoas que nem mesmo conhecemos, isso foi o que aconteceu com a obra da brasileira Carolina Maria de Jesus que inspirou Françoise Ega na França.


Carolina tornou-se conhecida por seu livro "Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada". Publicado em 1960, o livro narra a vida difícil de Carolina e sua família na favela do Canindé, em São Paulo. A obra teve grande impacto na época, não só por mostrar a realidade da pobreza no Brasil, mas também por ser escrita por uma mulher negra e pobre, que não tinha acesso à educação formal.


Carolina Maria de Jesus nasceu em 1914, na cidade de Sacramento, em Minas Gerais. Mudou-se para São Paulo, onde trabalhou como empregada e catadora de papel para se sustentar e sustentar seus três filhos, que criava sozinha. Carolina escrevia sobre seu dia a dia na favela, até que, em 1958, conheceu o jornalista Audálio Dantas, que a auxiliou na publicação de seus diários.



O racismo na análise da escrita de Carolina Maria de Jesus


Graças ao racismo, várias pessoas e pesquisadores não levaram a sério a produção de Carolina, relacionando seu talento à figura de Audálio, um homem branco e letrado. Em seus livros posteriores, a autora não alcançou o lucro que havia feito com sua primeira publicação.


Carolina era uma mulher determinada e possuía uma força nítida, e hoje é vista como uma referência de mulher negra brasileira. Sua imagem vem formando-se como um ícone de força por sua história, origem e percurso, mas permaneceu por muito tempo esquecida.


Durante o sucesso de "Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada", Carolina Maria de Jesus chegou a ter sua obra traduzida para outras 14 línguas. Recebendo elogios de grandes nomes, como Clarice Lispector, que, ao ser intitulada por Carolina como “uma escritora de verdade”, respondeu que: “Escritora de verdade é Carolina, que conta a realidade”.


Carolina Maria de Jesus e Françoise Ega

MAIO DE 1962
Eu descobri você, Carolina, no ônibus.[1] Levo 25 minutos para ir até meu emprego. Penso que não tem a menor serventia ficar se perdendo em devaneios no trajeto para o trabalho. Toda semana me dou ao luxo de comprar a revista Paris Match; atualmente, ela fala muito dos negros. Foi assim que conheci a sublime sra. Houphouët com seu vestido de gala. Eu não iria lhe dedicar as minhas palavras, ela não as teria compreendido. Mas você, Carolina, que procura tábuas para o seu barraco, você, com suas crianças aos berros, está mais perto de mim. Volto para casa esgotada. Acendo a luz, as crianças estudam, do jeito como se faz hoje em dia. Elas não têm muitos deveres de casa, seria cansativo demais, mas me contam o enredo, detalhe por detalhe, da última história em quadrinhos que foi lida na escola. Carolina, você nunca vai me ler; eu jamais terei tempo de ler você, vivo correndo, como todas as donas de casa atoladas em serviço, leio livros condensados, tudo muda rápido demais ao meu redor. Para escrever alguma coisa, preciso esconder meu lápis, senão as crianças somem com ele e com meus cadernos. Há noites em que os encontro bem no finalzinho. Já o meu marido me acha ridícula por perder tempo escrevendo bobagens; por isso, esconde cuidadosamente a caneta dele. Como você conseguia segurar um lápis com a criançada à sua volta? […]

Essa é uma das cartas escritas e nunca enviadas por Françoise para Carolina. Françoise Marcelle Ega nasceu em Morne-Rouge, na Martinica, em 11 de novembro de 1920, e mudou-se para a França durante a Segunda Guerra. Em 1946, casou-se com o soldado Frantz Ega, com quem teve cinco filhos.



Em Marselha, onde viveu o casal, ela precisou trabalhar como faxineira e costureira, embora tivesse o ensino médio completo e um diploma de escola técnica. Em 1966, publicou seu primeiro livro, “Le Temps des Madras", sobre sua infância na Martinica.


Em 1962, enquanto lia uma reportagem na revista Paris Match, tomou conhecimento sobre a existência de Carolina Maria de Jesus. Desde então, a escritora brasileira passou a ser “destinatária” dos textos autobiográficos do livro “Lettres à une noire”, essas cartas são escritas e datadas até junho de 1964 e publicadas dois anos após a morte de Ega, em 7 de março de 1976. Esse livro foi traduzido e lançado no Brasil através da Editora Todavia, com o título: “Cartas a uma negra”.


A identificação com a brasileira e o desejo de estabelecer um diálogo literário foram imediatos, e mesmo que Carolina nunca tenha recebido essas cartas e descoberto como sua escrita foi essencial para outra mulher negra escritora, sua obra foi extremamente inspiradora.


Mesmo que a elite intelectual brasileira estivesse renegando a grandeza da obra de Carolina, existia uma mulher que a via como base de sustentação para seu sonho de escritora. Se foi possível para Carolina também poderia ser possível para ela. Já parou para pensar quantas pessoas seu trabalho pode estar inspirando neste exato momento?





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